Minha menarca foi aos 11 anos. Eu estava conversando no MSN com um cara bizarro que tinha conhecido pelo fake no Orkut. Ele usava como foto de perfil uma imagem com as cores do reggae. Tinha 22 anos, e pediu para ser meu namorado.
Eu achei muito bizarro, e senti uma sensação surreal correndo pelo meu corpo e saindo na minha calcinha. Corri para o banheiro e lá estava ela, minha primeira mancha de sangue na roupa. Fiquei com raiva, coloquei papel higiênico no pano e fui dar um fora no cara, antes que ele causasse mais alguma experiência corporal terrível em mim.
Esperei minha mãe chegar do trabalho e deixei bem claro: "não é pra contar pra ninguém!" mas descobri que minha mãe era péssima com segredos dos outros.
Ganhei um pacote de absorventes que nunca mais usei, porque minha segunda menstruação só ocorreu um ano depois. Foi quando minha mãe me levou à ginecologista, que me pediu um ultrassom. No dia do exame, eu estava lendo Luna Clara & Apolo Onze, da Adriana Falcão, um livro de que gosto muito até hoje, recomendo pra qualquer um que tenha criança na família.
Aparentemente, eu tinha ovário micropolicístico, um nome difícil que eu custei a decorar. Com esse diagnóstico, a vaca da ginecologista explicou que eu deveria tomar um remedinho, e pediu para eu sair da sala. À noite, ganhei minha primeira caixa do remédio, em tons de rosa e com ilustrações de garotas descoladas. Descobri depois que uma colega de classe também tomava, para o mesmo problema!
Com o remédio, minha menstruação era regular, eu não tinha cólicas, e quase nunca tinha espinhas. Além disso, a embalagem era maneira, e tomar comprimido era legal (criei meu primeiro Tumblr no ano seguinte).
Anos depois, no ensino médio, uma amiga declarou que tinha começado a tomar anticoncepcional! Uau, que madura e liberada! Depois, vejo ela tirando da mochila a mesma embalagem do meu remédio para ovário micropolicístico, rosa com meninas descoladas, e digo que tomo o mesmo remédio. "É o meu anticoncepcional."
Puta merda, cara.
Cheguei em casa e confrontei minha mãe: "Você sabia que Adoless é anticoncepcional?" Ela fica sem graça e explica que eu tomava em uma dose pequena, que não agia como anticoncepcional, por isso não tinha me contado (?). Meu cu.
No ano seguinte, precisei começar a tomar antidepressivo, e descobri que anticoncepcionais tinham depressão como efeito colateral possível, então decidi parar de tomar o Adoless. Lembro de em algum momento minha mãe ter me levado em outra ginecologista, que me receitou Diana. Na época, eu já era uma jovem extremamente bem informada e feminista, graças ao Facebook /i, então, pesquisei e descobri que ele era proibido no Canadá! Falei pra minha mãe que não tomaria aquela merda - que custou 70 reais a caixa, rs. Ficou lá no meu armário por anos, até eu jogar fora.
Depois que parei de tomar anticoncepcional, minha menstruação começou a demorar meses para descer. Eu nunca sabia quando viria, só ia ao banheiro uma hora e encontrava a mancha de sangue lá.
Tentei acompanhar por um tempo, afinal, uma "mulher" (sic) precisa conhecer seu corpo! Instalei o Clue, e desinstalei um tempo depois, quando rolou o babado de que eles estavam vendendo os dados das usuárias. Mas na real eu sempre esquecia de anotar, então eles tinham bem pouco a oferecer sobre mim.
Mais tarde, resolvi dar uma segunda chance à ginecologia, e encontrei uma médica muito boa. Ela me explicou que meu problema era causado pelo mau funcionamento da hipófise, que não produzia hormônio luteinizante (LH) suficiente para conseguir penetrar os folículos e causar sua maturação (que é o que promove a ovulação). Assim, em vez de ovular, eu ficava colecionando folículos que não maturavam, e eram eles os "cistos" que apareciam nos exames. Não sou médica e essa paráfrase da explicação dela pode estar errada!
Enfim, meu tratamento era exatamente o oposto do que eu fiz por todos esses anos: eu precisava incentivar a hipófise a produzir mais LH, e não suprimir essa produção (que é o que o anticoncepcional faz). Tomando o AC, eu tinha simplesmente impedido que minha hipófise passasse pela puberdade do jeito certo.
Essa médica me passou um tratamento que funcionou, eu estava conseguindo menstruar com mais frequência, mas nunca consegui retornar com ela, porque logo veio a pandemia e depois ela deixou de atender convênio. A consulta dela hoje é 700 reais :')
Decidi que ia acompanhar minha menstruação (usando o Drip.app, que recomendo muito!), e deixar o tempo fazer seu trabalho. Minha hipófise em algum momento ia aprender a produzir LH. Depois de alguns anos acompanhando, meus status estão assim:
Hoje se iniciou meu ciclo mais curto desde que comecei a rastrear, e fiquei refletindo que foi uma longa jornada lutando contra ginecologistas ruins e desinformação até conseguir ter alguma familiaridade com meu próprio corpo. Estou finalmente aprendendo a identificar episódios de TPM, a usar absorvente sem deixar um rastro de sangue por toda roupa que eu use, a lidar com a cólica, a lidar com espinha. Uma espécie de adolescência, só que eu já declaro IR.
Apesar de estar sendo um caminho longo, exaustivo, chato e pouco recompensador, dar um tempo pra minha hipófise amadurecer e acompanhar esse amadurecimento é a minha primeira experiência de autonomia corporal. Não é controle, mas também não é alienação. Eu tenho consciência de que tem coisas acontecendo nessa massa de carne, osso e pelo, apesar de não ver todo o processo, e consigo lidar com elas sem que elas me prejudiquem.
Ainda acho muito estranho ter um corpo, mas pelo menos agora parece que tê-lo é uma decisão que quem tomou fui eu.